Este projeto busca compreender as narrativas das mulheres que moram em determinadas áreas, que foram beneficiadas pelo programa de melhoria de abastecimento de água na região do semiárido da Bahia, projeto esse que é resultado de uma parceria com recurso nacional (Governo Federal e Estado da Bahia) e parcerias internacional. De forma genérica essa é a problemática central, onde as interlocutoras da pesquisa, estão envolvidas por uma ação de uma política pública, que propõe “trazer” o desenvolvimento e uma melhor qualidade de vida para os moradores destas regiões e em que estas, devem “escolher” aderirem ou não tal programa; Porém é preciso problematizar como é que se dá o modo de vida e o cotidiano das mulheres interlocutoras de pesquisa, sua relação com a natureza, com o ambiente, seu pertencimento ao local e a relação com água já existente. E como é problematizado pelo Programa Bahia Produtiva – PBP , que a nova água trazida (à água tratada) é diferente e melhor do que a água que a comunidade tem acesso desde sempre. Aqui busco compreender como se é percebido por essas mulheres ser pertencente às suas localidades, em relação a essa oposição entre a água dita (bruta) pela política pública, e o manejo dessa relação entre água bruta e água tratada. Essa política pública, aqui representada pelo Programa Bahia Produtiva – PBP, e o foco de análise se dá na região de Caetité na Bahia, que envolve os municípios e localidades atendidos pelo PBP, no período de 2019 a 2022.
O acesso à água disponível nas comunidades antes da adesão ao PBP (água sem tratamento) é feito de forma direta, acessando as nascentes naturais, poços artesianos ou facilitado pela distribuição gratuita pelas prefeituras locais através de carro pipa.
A água é utilizada nestas localidades, para as mais diversas funções (consumo, plantações, cuidado dos animais, irrigação), e há também uma relação simbólica, afetiva e de sobrevivência ligada à necessidade do acesso à água, onde a água é vista como algo sagrado e divino pelas interlocutoras da pesquisa. Nestes municípios e localidades que estão inseridos no projeto de pesquisa, a renda da maioria das mulheres é originária da agricultura familiar e complementada por projetos governamentais para famílias com baixa renda. As moradoras que fazem adesão ao PBP, o fazem através do vínculo com as associações de moradores, ou seja, é preciso estar associada em uma associação comunitária, ativa e regular, para optar por aderir ao PBP, e por sua vez a associação comunitária precisa estar regularizada documentalmente para ser vinculada à CENTRAL e assim ser beneficiária do acesso à água tratada e encanada pelo programa. Neste contexto há uma diversidade de atores sociais evolvidos, há a presença do Estado implementando uma política pública de acesso à água e saneamento rural, representando pela CERB e a CENTRAL; as moradoras atendidas pelo projeto, que aqui iremos identificar como dois grupos (moradoras que fizeram adesão e moradoras que não aderiram ao projeto), e a “chegada” do acesso à água tratada e potável nessa região. Todos os municípios estão inseridos na região do semiárido, em áreas rurais do interior da Bahia, onde em sua maioria, quando há o acesso à água, é a água não tratada8 , ou quando há escassez de água, é comum a utilização de água da chuva e o uso de carro pipa para realizar o abastecimento. Considerando os dados das pesquisas da CERB, realizadas nas áreas beneficiadas com o projeto, há um percentual alto de gênero, onde as mulheres são a maioria entre os beneficiários. Assim as interlocutoras da pesquisa, serão mulheres, moradoras de alguma destas localidades, adultas com idade entre 25 e 75 anos, e que possuam algum vínculo associativo com as associações locais. De acordo com as conversas informais que tive nas idas ao campo, um dos principais fatores que determina se as mulheres irão aderir ou não ao projeto, é o valor da tarifa que será pago após adesão (esse valor fica entre 8 e 15 reais), a medição da água através do hidrômetro e o sabor da água que é diferente, após receber o tratamento com o cloro. Na apresentação da coletânea sobre Antropologia e água: perspectivas plurais, as organizadoras TEIXEIRA e QUINTELA (2011), chamam a atenção do leitor que o foco dos estudos e pesquisas sobre a relação com a água na área da antropologia, não significa a abertura de um novo subcampo de estudos, mas sim refletem indagações inerentes aos outros temas da pesquisa antropológica, ou seja: “(…) refletir e estudar questões universais e suas transformações em cada contexto particular histórico, social e político” (…) “através de estudos etnográficos, restabelecer o diálogo com a relação entre natureza e cultura, em contexto de transformação até pela ausência desse bem, que não só quanto à sua escassez, como quanto à sua potabilidade para eliminar as ironias da água, tal como outra nestes mundos de contradições e assimetrias sociais” (2011) Ao ir problematizando sobre o presente projeto de pesquisa, fui identificando como há uma verdadeira teia de emaranhados que envolve a questão do acesso à água; enquanto bem finito que é situada em um contexto global, nacional e local. E é justamente para identificar de que água estamos falando e das relações que as continuem nessa pesquisa, que poderemos acionar possíveis categorias teóricas. O PBP, está inserido em um projeto macro, que objetiva ampliar o acesso à água potável e saneamento rural para 17,2 milhões de pessoas13, situados nas áreas rurais da Bahia. Uma parte do financiamento, é através de recurso internacional do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD. ZHORI, OLIVEIRA e LASCHEFSKI (2011), evidenciam que muito do que se analisa sobre os conflitos em torno da água, é disposto de acordo com uma lógica de entendimento deste bem, pelo viés de acesso desenvolvimentista e capitalista, onde a escassez natural do recurso é a questão central, em detrimento as questões relativas à distribuição e à desigualdade social do acesso à água Em outra pesquisa etnográfica, sobre o conflito de interpretações sobre a água “boa” em uma localidade do Cariri – CE, para TEIXEIRA, MOURA e DAVISON (2011) o fio condutor da pesquisa, era compreender como a água tecnicamente identificada como potável pelos órgãos responsáveis, não era aceita pela comunidade de Grajeiro, levando à uma triangulação da pesquisa, em compreender os significados e usos da comunidade às águas do açude, do chafariz e da chuva. Na tentativa de alinhavar, as questões centrais que envolvem as interlocutoras da pesquisa, e determina sua adesão ou não ao PBP, através dos trabalhos citados, fica evidente que só é possível buscar tal compreensão, primeiro problematizando sobre qual água estamos falando, e através de uma visão ampliada, compreendo o modo de vida, a visão de mundo e como se dá a organização social das pessoas desta comunidade, assim é um caminho possível para compreender as narrativas das interlocutoras e como elas se organizam. Nesse sentido, compreendendo as interlocutoras como agentes sociais, que sempre são consideradas envolvidas em suas multiplicidades, emaranhadas por seus enredos e as multiplicidades das relações sociais que os constituem” (ORTNER,2006); Busco considerar um viés analítico de uma antropologia que considera que não é possível perceber a totalidade das relações sociais se não problematizarmos também as emoções inseridas nestas relações. Nesse sentido, parto do princípio de que as experiências emocionais singulares, sentidas e vividas por um ator social específico, são produtos relacionados aos indivíduos, à cultura e à sociedade. (KOURY, 2009) segundo REZENDE e COELHO (2010), fazer uma antropologia das emoções, é justamente colocar em xeque estas questões, entendendo que estas são representações situadas dentro de uma cultura específica. Dessa forma, amor, medo, raiva, angústia, lágrimas, choro, soluços, dor, são manifestações de emoções, formadas por um conjunto de aparatos psíquicos, biológicos e sociais do ser humano e representadas através de manifestações corporais. Porém a percepção de cada pessoa, a forma de manifestá-las e senti-las é muito variada, de sociedade em sociedade, e determinada através da cultura e do contexto histórico social que as define, sendo a linguagem o elemento cultural que funciona como um mediador dentre estas diversas possibilidades. REZENDE e COELHO (2010).