Ponencia

“É O QUE A GENTE APRENDEU A FAZÊ”: CUIDADO E REPRODUÇÃO COTIDIANA EM JAGUARI (RS)

Parte del Simposio:

SP.41: Genealogías de las antropologías feministas y de género en Latinoamérica y el Caribe

Ponentes

Renata Piecha

Universidade Federal de Santa Maria

Ancorada na perspectiva etnográfica a presente proposta objetiva desmembrar as dimensões do cuidado que são experienciadas desde a infância por mulheres camponesas da comunidade rural de Rincão dos Alves, município de Jaguari, região central do Rio Grande do Sul, sul do Brasil. Para tal, utiliza-se a análise de narrativas memoriais e a observação participante junto à mulheres cis, brancas, tendo entre 45 e 65 anos de idade, que se reconhecem como colonas, inseridas na lógica do campesinato, da agricultura familiar e do agronegócio, pela recente inserção da fumicultura. Dito isto, constata-se que há, nessa comunidade rural, uma forte cristalização e reprodução dos papéis de gênero, comum ao universo camponês brasileiro, estruturado pela divisão sexual do trabalho. Dentro dessa configuração, as responsabilidades ligadas aos cuidados emergem como um resultado direto do processo de socialização, que incorpora conhecimentos e práticas passados por/entre gerações de mulheres. Assim, são as agricultoras de Rincão dos Alves que garantem as necessidades básicas das famílias, mediante trabalhos que abrangem o cuidado com a terra, com os animais e a casa, além de prover as demandas das crianças, idosos e marido. São funções dotadas de uma ordem moral e afetiva, que viabilizam a reprodução cotidiana, material e biológica dessas famílias, mediante a apropriação do corpo, tempo e trabalho das mulheres. Há a invisibilização desses trabalhos, fomentando a falta de reconhecimento social, jurídico e monetário que vulnerabiliza essas sujeitas. Porém, é justamente dessas funções socialmente atreladas às agricultoras de Rincão dos Alves que surgem alternativas frente à ofensiva da racionalidade do capital financeiro, representado pelo agronegócio, da monocultura, no caso em questão, pela inserção das agroindústrias fumageiras. Essa racionalidade inaugura uma relação predatória, que infere sobre a autonomia das famílias, além de suprimir relações sociais, saberes tradicionais e paisagens naturais, precarizando e intensificando a jornada laboral. São, nesse sentido, as trabalhadoras rurais de Rincão dos Alves que resguardam os saberes-fazeres tradicionais desse campesinato, mediante a confecção de produtos e alimentos que sustentam redes de solidariedade e reciprocidade, ancorados pelas lógicas do cuidado, mediante conhecimentos que são resguardados nas memórias, transmitidos oralmente e aprimorados nas práticas cotidianas que se estabelecem nas interações entre mulheres.