Este trabalho tem como objetivo lançar luz às “montagens”, que são tanto uma prática como produto musical do funk carioca, ainda pouco analisado por pesquisadores do campo. O funk carioca é um gênero de música eletrônica produzido pela juventude das favelas do Rio de Janeiro. Em geral, o funk (e a música eletrônica como um todo) é composto a partir de técnicas de montagem (ou colagem) de amostras sonoras em uma linha temporal, seja na mixagem em estúdio ou na performance ao vivo do DJ no baile funk. As “montagens” como produto musical são composições feitas a partir da mixagem de funks apropriados com diversos samples em diálogo. Elas se diferenciam do mash up e remix genérico por serem fundamentalmente criadas para sonorizar os bailes funks do Rio de Janeiro. Já na primeira etnografia dos bailes funk, realizada por Hermano Vianna e publicada em livro como “O mundo funk carioca” (1987), o antropólogo utiliza a palavra “montagem” para descrever o trabalho do DJ Marlboro na confecção de uma faixa para o álbum da equipe de som “Soul Grand Prix”, que consistia na mixagem de trechos das músicas tocadas nos bailes da época (Vianna, 1987, p. 34). Os primeiros fonogramas intitulados “montagem” surgem em álbuns de equipe de som a partir de 1991, dois anos após o lançamento do disco “Funk Brasil” (Polydor, 1989), produzido pelo DJ Marlboro e considerado um marco inicial do funk carioca pelo pioneirismo da produção de funk com vozes em português. Ainda que as montagens não tenham representado um objeto de estudo interessante em si para pesquisadores do funk, elas são também pioneiras na produção de músicas do funk com a “voz dos bailes”, ou seja, com cantores que eram também público destes eventos. Sem espaço de divulgação na mídia tradicional, as montagens são as músicas predominantes nos bailes funk e representam a possibilidade de ingresso de novos DJs no circuito, além de estarem diretamente relacionadas às experimentações que criam novas sonoridades do funk. Pensadas pela etnomusicologia e estética, as montagens apresentam características que tem continuidade na história do funk carioca e ressoam em seus diversos subgêneros, podendo fornecer novas perspectivas e material de análise para o campo do funk e da música em geral. Nas montagens disponíveis em álbuns de equipe de som, arquivos de CDs de bailes no “4shared” e arquivos de áudio e vídeo publicados nas plataformas de streamming “Soundcloud” e “Youtube”, respectivamente, se tornam sensíveis e sensoriais os aspectos do funk já observados em pesquisas precedentes, que podem ser agrupados em quatro eixos: território, disputa, voz e baile. Por fim, procura-se demonstrar que a relação que DJs de baile estabelecem entre território, voz e ritmo produz sonoridades singulares e específicas do Rio de Janeiro, na medida em que traduzem ambiências do baile e, em última estância, da comunidade que produz o baile. Sendo assim, as montagens são objetos de pesquisa privilegiados para se observar as maneiras pelas quais DJs do circuito dos bailes expressam territorialidades na dimensão rítmica do funk.