Esse trabalho busca debater a questão do sequestro de crianças filhas de mulheres usuárias de drogas, mais especialmente buscando problematizar a perspectiva das crianças, que foram afastadas de suas mães. Inspiradas no livro de Susan Sontag, chamado “Diante da dor dos outros”, que problematiza a experiência da guerra, que nos auxilia a pensar no que aqui chamamos de sequestro de bebês, mais especificamente daquelas mulheres em situação de rua e/ou usuárias de drogas, que se consolidou sem que as mães tenham o direito de ver e amamentar seus filhos, ou sequer serem informadas do paradeiro institucional deles. O que falamos aqui se configura como uma guerra. Nesse trabalho, para além de pensar na posição dessas mulheres, gostaríamos de problematizar a ausência de escuta dessas crianças, a luz da produção de diferentes governos da infância. Tal debate se faz fundamental frente às recorrentes recomendações dos órgãos de justiça e serviços que compõem as redes de saúde e redes sócio- assistenciais acerca do nascimento de crianças filhas de mulheres usuárias de drogas, bem como as posições que os serviços tomam, quando se deparam com um caso complexo, como esse aqui posto. Visando compreender o jogo de forças e de verdades que governam corpos de mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade social, buscamos pensar na ideia de ciclo de violações de direitos que ocorrem, a partir da leitura de Marcio Selligman Silva, que nos convoca a pensar no papel do testemunho como uma chave ética para a responsabilidade e para o cuidado, destacando que esse lugar, esse papel de quem testemunha, como uma função preciosa na defesa de direitos, justamente pelo acúmulo de violações que estamos vivendo ao longo dos anos. Pensamos que seja a partir da escuta, que novos pactos de responsabilidade possam ser estabelecidos, já que os existentes estão sendo desrespeitados cotidianamente, como no tema em questão.
Esse trabalho parte de fragmentos da tese de doutorado da primeira pesquisadora, junto das demais pesquisadoras que estudam psicologia, a partir da ideia de uma “pesquisa viva”, orientada por uma epistemologia que defenda crianças e adolescentes, aliadas ao debate feminista e em especial desde o feminismo decolonial. Dessa forma buscamos analisar as opressões que o sexismo e o racismo produzem, operando o que chamamos de “redes mortas” que se constroem na vida dessas mulheres e crianças. O trabalho abordará os seguintes planos a) a historicidade dos diferentes mecanismos de sequestro de crianças nascidas em situação de pobreza: a roda dos expostos, o menorismo e as práticas realizadas nas ditaduras brasileira, argentina e espanhola ; b) os modos de retirada de guarda presentes no que chamamos de “rede morta”: a operação do desmentido, a produção da maternidade indigna por meio da tutela moral e do proibicionismo quanto ao uso de drogas, e os mecanismos psi- jurídicos de criminalização e patologização das famílias; c) a perspectiva do debate sobre o direito a escuta e defesa de crianças e adolescentes que não são escutados em seus processos.