Para além de um fenômeno biológico a COVID-19, maior pandemia do século, desvelou-se como um fato social total, tamanha a grandeza de seus impactos econômicos, sociais, políticos, ambientais e por aí em diante; atravessando a todos por completo. Margarida, uma mulher negra de 32 anos, grávida e moradora de uma favela em Duque de Caxias, remói-se com as possibilidades que o futuro guarda para ela e seus descendentes. Após as interrupções provocadas pela pandemia da covid-19, pensa que talvez não consiga conquistar o que havia planejado para si e sua família. Isabel, uma mulher branca de 59 anos, moradora de um apartamento no Leblon, área nobre do Rio de Janeiro, chora em uma Unidade de Terapia Intensiva para pessoas com o novo coronavírus; teme a possibilidade de não conseguir terminar de criar sua filha adolecente. Conclui que se saísse daquele quarto com vida, seus valores iriam mudar, seria menos superficial e valorizaria somente as coisas que realmente importam. Imbuídas de sofrimento no presente, ambas imaginavam um por-vir pós-pandêmico. Partindo das histórias e experiências de nossas interlocutoras, investigamos suas aflições, desejos e devires, questionando quais as transformações possíveis depois da crise. Esse trabalho surge da análise conjunta das duas pesquisas de mestrado realizadas pelos respectivos autores. Uma delas investiga a experiência de adoecimento grave por covid-19 entre pessoas de camadas médias da região metropolitana do Rio de Janeiro, enquanto a outra explora os impactos psicossociais do isolamento em favelas da mesma área. Ambas as pesquisas, realizadas em meio à pandemia da covid-19, utilizaram entrevistas semi-estruturadas com 10 pessoas cada. Para esse trabalho, selecionamos fragmentos das narrativas que tratam da mesma temática: experiências de crise e projeções para o futuro. Acreditamos que, a partir da sobreposição de narrativas de pessoas vivendo uma ameaça comum, a covid-19, em realidades sociais tão distintas, podemos contribuir para a construção de um quadro complexo e amplo. Com o fim oficial da pandemia do novo coronavírus, olhar para os futuros vislumbrados em meio aquele momento tão dramático se mostra essencial. Com nossa investigação, pudemos notar como as diferenças sociais, econômicas etc, presentes nas vidas de nossos interlocutores, influenciaram não só sua forma de atravessar a crise, mas também suas imaginações de futuros cenários pós pandêmicos. Apesar de enfrentarem a “mesma crise”, a análise conjunta dessas histórias e narrativas desvelam diferentes nuances de habitar um cenário pandêmico. Quem sonha quais futuros? Que planejamentos de vida são possíveis? O que as aflições do presente dizem sobre o que está por vir?