Ponencia

Desafios na retomada dos modos de comer-viver das vítimas do rompimento da barragem da Samarco em Mariana (Minas Gerais, Brasil)

Parte del Simposio:

SP.18: Um olhar socioantropológico sobre os modos de comer e viver na América Latina e no Caribe

Ponentes

Letícia Nörnberg Maciel

Universidade Federal do Rio Grande

Letícia Nörnberg Maciel

Universidade Federal do Rio Grande

Gianpaolo Knoller Adomilli

Marta Bonow Rodrigues

No dia 5 de novembro de 2015, o subdistrito de Bento Rodrigues, pertencente ao município de Mariana (Minas Gerais, Brasil), foi atingido pelos rejeitos de mineração oriundos do rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco Mineração e de suas controladoras, Vale e BHP. Em poucos instantes, os rejeitos misturados com destroços que eram arrastados desde a barragem localizada a 6km de distância destruíram a comunidade tricentenária na qual habitavam 612 pessoas. O resultado não foi apenas a destruição de casas, igrejas, bares, nascentes, hortas, rios e morte de animais, mas também a morte de membros da comunidade, deslocamento físico compulsório de todos os moradores e a alteração abrupta de seus modos de vida, planos para o futuro e relações sociais.
As vítimas foram alojadas em moradias temporárias na sede de Mariana até serem definitivamente reassentadas. Para o desenho do reassentamento que irá garantir a restituição da moradia, foi determinado que as habitações deveriam ser iguais ou melhores que na área de origem e que as relações de vizinhança deveriam ser mantidas tal como em Bento Rodrigues. Tal construção é de responsabilidade das mineradoras responsáveis pelo rompimento.
Considerando as características semi-urbanas (ou semi-rurais) da comunidade, um ponto importante relativo aos seus modos de vida era a possibilidade de plantar seu próprio alimento e criar animais de médio a grande porte. Embora ainda dependessem da compra de alimentos em mercados, o plantio e criação garantia parte da dieta das famílias e fazia parte de seus cotidianos. Tais atividades foram interrompidas com o deslocamento para a sede de Mariana – um distrito urbano, com casas sem espaço para plantio ou criação de suínos e bovinos. Essa impossibilidade obriga as vítimas a dependerem de mercados e feiras, criando assim uma despesa maior com alimentação.
Quanto à expectativa de retomada de seus antigos modos de comer-viver no reassentamento que ainda está sendo construído, embora diretrizes da ação civil pública do processo de reparação dos danos obriguem as mineradoras rés a construírem os imóveis tal como aqueles originais atingidos pelos rejeitos, a realidade é que em muito se diferem: metragem diferente, má qualidade do solo, acentuada declividade do terreno, má qualidade do solo, proibição de criação de animais, diferente espacialidade da vizinhança, dentre outros problemas observados. Essas diferenças terão impacto direto no cotidiano das vítimas reassentadas, dadas as imposições de outros modos de habitar diferentes daqueles que elas possuíam antes do rompimento da barragem. Assim, a possibilidade da não da retomada dos seus modos de vida tem relação direta com a luta organizada das vítimas, de forma que os sujeitos se colocam como ativos nos processos decisórios que diga respeito à sua comunidade. Ao longo dos oito anos desde o rompimento da barragem, eles precisaram dominar o jargão jurídico, compreender as fases dos processos judiciais, participar ativamente de audiências públicas, negociar indenizações diretamente com as rés e ainda estarem atentos a movimentos do poder público para a retirada de seus direitos e propriedades.