Ponencia

DEMOCRACIA, MEMÓRIA E RESISTÊNCIA NA E DA CULTURA GASTRONÔMICA DA AMAZÔNIA LATINO-PARAENSE

Parte del Simposio:

SP.18: Um olhar socioantropológico sobre os modos de comer e viver na América Latina e no Caribe

Ponentes

Advaldo Castro Neto

SEMEC

Falar de comida é discorrer acerca de culturas e sociedades – portanto, traz ao logos da memória hábitos e costumes, que simbolizam os modos de pensar, ser e existir de diversos grupos sociais. A gastronomia amazônico-paraense tem característica singular; sua culinária é demasiadamente democrática, pois é amplamente acessível às pessoas, independentemente de seu poder aquisitivo. O acesso por todas as classes socioeconômicas desta comida revela, também, seu caráter de resistência. Afinal, trata-se da força ancestral de um povo que embora invadido e exterminado, legou à posteridade esta cultura socializada a partir da comida. Em um país-continente no qual a necropolítica sobrepuja os seres sociais, escolhendo quem morre e quem vive por diversos mecanismos; entre estes, a insegurança alimentar e a fome; a resistência do ser e existir amazônico-paraense através da culinária democrática desta cultura, evidencia o valor e carga socioantropológicas não só da comida, mas do comer. Câmara Cascudo (1967), em seu livro «História da Alimentação no Brasil», argumenta que «um povo que defende os seus pratos nacionais, defende o território», assim considera-se o consumo de pratos tradicionais, também chamados de típicos, exprimir ato de resistência às influências de culturas exteriores e uma reafirmação do valor nacional. Parafraseando o provérbio bíblico para o universo gastronômico: “diga-me o que você come, eu te direi quem você é”, entende-se que o ato de comer é intrínseco ao indivíduo, próprio de sua existência, seja no campo social, psicológico e cultural. Sendo assim a comida pode ser vista como um ativo cultural, pertencimento, algo que não necessita de tradução para ser entendida. Comida comunica quem somos e de onde viemos. Comida reúne, agrega. É imersão cultural, que conta por meio de ingredientes a nossa história. Por meio de preparos ancestrais perpetuamos culturas, saberes e sabores. O caráter democrático e resistente da comida paraense advém do fato de que pratos tradicionais, como a maniçoba, o tacacá, por exemplo, são acessíveis para a população, independente de sua classe social ou poder econômico. Tais comidas podem ser consumidas em barracas espalhadas pelas ruas de Belém, assim como em restaurantes, mais requintados. O preço varia de acordo com o ponto comercial, passando do popular ao mais caro, no entanto, é o mesmo prato. O belenense come sua maniçoba numa calçada de rua, como em um ambiente climatizado. Podemos dizer que a comida paraense aglutina pessoas, ao invés de excluir, aproxima. No viver do paraense, essas comidas se fazem presentes, como entes queridos, algo que se ama e que, sem elas, é impossível pensar o nosso existir, tão forte estão arraigadas em nossa cultura. A comida tradicional é a fortaleza de um povo. Fialho Almeida (1891) já vaticinou: “Um povo que defende os seus pratos nacionais, defende o território. A invasão armada, começa na cozinha”. De formação filosófica centrada nos clássicos europeus, busco há tempos por uma “filosofia tupiniquim”, isto é, procuro por mim mesmo, pelo amazônida-latino-paraense que em mim não só habita, mas faz ser e existir enquanto caboclo que não nega muitas raízes, embora forjado da miscigenação colonialista.