Afinal, o que significa o repetido uso da palavra “contexto” na formação de psicólogos-psicoterapeutas no Brasil? Situado no âmbito de minha pesquisa de mestrado, cujo se dá a partir da inserção etnográfico junto a um grupo universitário de formação de psicólogos e atendimento psicoterapêutico para pessoas negras brasileiras, o presente trabalho tem como objetivo investigar e discutir os documentos que regem a formação de psicólogos no Brasil e no contexto pesquisado. Especificamente, me debrucei sobre três documentos: As Diretrizes Nacionais Curriculares para os cursos de graduação em psicologia (DCN) de 2004, o Projeto Pedagógico do curso de Psicologia (PPC) da universidade investigada de 2015 e o Código de Ética do Profissional Psicólogo brasileiro de 2004. As DCN e o PPC definem, em âmbito nacional e local respectivamente, princípios e compromissos; competências e habilidades gerais; eixos estruturantes; ênfases curriculares e orientações nos âmbitos do ensino, pesquisa e estágio para os cursos de psicologia, sempre prezando por uma aplicação contextualizada dos conhecimentos psicológicos. Nas DCN, um documento em formato de lei contendo seis páginas, a palavra “contexto” aparece 15 vezes, já no PPC, documento com quase 150 laudas, a frequência do uso da referida palavra também é alta, 78 vezes – mas nem todas com o sentido formativo. Embora a palavra contexto não pareça necessitar de detalhamento em seu significado, o sentido do uso é diferente a depender do referencial teórico utilizado, pois podem ser reduzidas à variáveis ambientais, sem muito aprofundamento, como feito pela psicologia social cognitiva estadunidense, marcada por seu caráter universalista e etnocêntrico, mas tido como fundamento para as práticas baseadas em evidência em psicoterapia, cada vez mais mainstream no Brasil. Em contrastes com perspectivas críticas em que o contexto sociocultural e suas dinâmicas hierárquicas são o ponto de partida para as análises em termos teóricos como na decolonialidade ou na aplicação psicoterapêutica das etnopsicologias, etnopsicanálise e etnopsiquiatria ou simplesmente das intervenções psicoterapêuticas atentas à realidade social e comprometida com as demandas do território. De forma comum, todas essas abordagens de tratamento apropriam-se de reflexões antropológicas para fundamentar o entendimento de contexto sociocultural enquanto estruturante dos processos de subjetivação e para saúde mental, sendo identificado inclusive, como uma forte justificativa para a inserção da antropologia e de antropólogos na formação de saúde de um modo geral (Branco-Pereira, 2020), uma vez que situar o sujeito em sua cultura auxilia na probabilidade de eficácia das intervenções (FANON, 2020). Nesse sentido, defendo que a palavra “contexto” venha acompanhada do termo ao qual se objetiva frisar, sob o perigo de ser utilizada somente como um totem vazio, que na verdade deixa de citar as violências estruturais da sociedade brasileira, como o racismo, e assim, contribui para o mito da democracia racial, sintomático no país, que apenas potencializa o recrudescimento do racismo.