Ponencia

Conhecimentos ancestrais, memórias indígenas e luta por reconhecimento: o caso das batatas no vale do Jequitinhonha

Parte del Simposio:

SP.28: Memorias y comunicación indígenas: construcción de espacios de organización y visibilización de luchas en contextos de subalternización

Ponentes

IZABEL MISSAGIA DE MATTOS

UFRRJ

Daniel Cangussu

Até o início do século XX, o Vale do Jequitinhonha e todo o nordeste de Minas Gerais ainda era habitado por diversos povos. Os arquivos desta época fazem menção aos Malali, Naknenuk, Aranaú, Bakuê, Bituruna, Jiporok, Macuné, Pojichá, Ta-Monhec, Bacuani, Makuên, Camanachó, Capoché, Pantime, Maquari, Macuni, Tapuia, entre muitos outros. São destes povos e de seus coletivos que descendem muitos dos atuais povos indígenas do Vale do Jequitinhonha. É certo que muitos foram completamente exterminados pela frente colonizadora que se instalou nos Sertões Leste de Minas e sul da Bahia nos séculos XVIII e XIX. Os que sobreviveram, estabeleceram estratégias diversas, como alianças e rearranjos sociais que culminaram com processos de recomposição identitária. A vitalidade política observada hoje no movimento indígena do Vale do Jequitinhonha, conforme apontam algumas de suas lideranças, tem seu mote na agrobiodiversidade do semiárido da região, em especial, numa classe de plantas bastante específicas. E em que pese a truculência histórica do estado brasileiro sobre os povos do Jequitinhonha, o conhecimento associado a estas plantas fez parte de todo o processo de luta, resistência e produção identitária. Neste contexto, as batatas ocupam importante lugar na memória e história indígena regional, não obstante terem-se tornado atualmente um importante alicerce neste processo de emergência sociopolítico do Jequitinhonha. Entretanto, o conhecimento tradicional sobre essas batatas, bem como o de suas técnicas de processamento e consumo, não têm relevância apenas no interior do círculo alimentar destes povos, servindo ainda para iluminar a relação que os povos ancestrais estabeleceram com as plantas do seu território, em uma história marcada por grande mobilidade e itinerância territorial. As origens da ocupação do Vale do Jequitinhonha remontam aos processos de luta pela sobrevivência dos povos originários brasileiros que – embora protagonistas da construção da sociedade regional, tanto nos aspectos sociais, econômicos e culturais – vêm sistematicamente sendo historicamente relegados à condição de uma cidadania desigual, e por isso sem direitos reconhecidos e/ou respeitados. Com isso, seus conhecimentos tradicionais passam a ser usurpados, silenciados, ou ainda alvos de preconceitos e estigmas. Os povos Canoeiro Maxakali, Aranã e Pankararu – apesar de amargarem conjuntamente o preconceito sociocultural sofrido no Jequitinhonha – são detentores de importantes conhecimentos acerca de técnicas de coleta, processamento e manufatura de tubérculos e espécies tuberosas silvestres, “as batatas”, que contribuíram e contribuem para sua sobrevivência coletiva, fortalecimento cultural e soberania alimentar. Considerando as incessantes lutas sociohistóricas por eles enfrentadas, o simples fato de terem logrado se manter vivos e culturalmente ativos, revela quão “vencedores” são estes povos que, por meio das memórias dos seus ancestrais e do que nos contam suas plantas, se encontram atualmente empenhados na luta de valorizar, salvaguardar e promover conhecimentos botânicos e culturais indígenas no Vale do Jequitinhonha, região Nordeste de Minas Gerais. Por tudo isso, a expressão machadiana “aos vencedores, as batatas” serve aqui, literalmente, para demonstrar a necessidade de inverter a narrativa que apaga o conhecimento imaterial indígena, trazendo à tona a redescoberta do seu verdadeiro valor.