Esse trabalho têm como objetivo geral compreender etnograficamente as práticas e os modos pelo quais as pessoas estão se construindo como kamba (negro) em Kamba Kua (buraco de negro) na festa kamba em homenagem ao santo Baltazar. A história da comunidade compartilhada por grande parte dos seus habitantes está relacionada a constantes movimentos de migrações, caminhos e rastros que se iniciaram com o exílio do general Gervásio Artigas, importante liderança militar na independência do Uruguai que, por conflitos militares com o Brasil, em 1820, solicitou asilo político ao ditador José Gaspar Francia no Paraguai, levando consigo uma tropa de ex-escravizados para se estabelecerem no território paraguaio.
A comunidade fica no bairro de Fernando de La Mora, localizada a 40 minutos da capital de Assunção. Os Kamba Kuas estão organizados em sua maioria na Associação Grupo Tradicional São Baltazar Medina – Grupo São Baltazar, criada em 2012, por dissidentes da Associação Grupo Tradicional de Kamba Cua que ainda se mantêm ativa. Ambas, possuem um grupo de dança afro, e além disso participam das atividades do clube afro e da capela em homenagem a Baltazar.
A festa Kamba é uma das principais atividades comunitárias e um momento de grande mobilização coletiva dos Kambas que recorrem ajuda não apenas ao santo padroeiro, mas também a pomberos, oriundos da cosmologia guarani. Durante a festividade, os Kambas preparam uma série de rituais para o dia triunfal que gira em torno de inúmeras promessas ao santo, como: a escolha da pessoa responsável por vestir o santo e cuidar do altar, o planejamento do “recorrido”, uma espécie de trajeto percorrido pelo santo nas casas de devotos e promesseiros, a definição dos promesseiros que irão‚ “vestir-se de santo”, com a capa vermelha e a coroa para ingressar de joelhos para ‚”tocar no santo” na capela, em especial, a organização do Kambara’anga, que em guarani significa transformar-se em negro que é um baile de máscaras.
Além destas articulações entre o pombero, o santo negro e as máscaras, a comunidade na festa kamba dialoga com outras associações kambas paraguaias e organizações afrodescendentes estrangeiras, contribuindo, assim, para a criação de uma agenda de mobilizações para o reconhecimento dos afro-paraguaios e de reparações históricas.