Este trabalho objetiva compreender experiências e vivências de boieiras – que são mulheres que trabalham no setor alimentício, desde o preparo de comidas até o atendimento aos fregueses e, predominantemente pobres e negras – da feira do Ver-o-Peso, considerada a maior feira a céu aberto da América Latina, localizada na cidade de Belém/PA. A pesquisa faz parte do meu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará e conta com a perspectiva socioantropológica, em que, a partir das relações que estou desenvolvendo com as feirantes, estamos produzindo narrativas biográficas (Eckert e Rocha, 2013) em torno de suas trajetórias sociais (Bourdieu, 1996). Pretendemos identificar os sentidos e interpretações que as trabalhadoras desenvolvem à respeito do trabalho cotidiano na feira. Junto ao labor diário, há a presença de redes sociais e de pertencimento horizontais (entre boieiras de boxes vizinhos) e/ou de gerações familiares dividindo o mesmo espaço (filhas, netas e funcionários/as), tornando-o um ambiente diverso de heranças e transmissão de saberes gastronômicos e de sustento familiar que transformou esse setor da feira, em referência nacional e internacional de culinária amazônica; mas que também é imbuído de conflitos e obstáculos, como, por exemplo, a divisão sexual do trabalho, chefia-solo de suas famílias, jornadas exaustivas de trabalho, disputas de clientela, violências, assédios, baixos salários, doenças relacionadas ao trabalho, infraestruturas inadequadas, ambientes insalubres, divergências com outros feirantes e com o Poder Público diante da fiscalização e da regularização dos boxes e o evento crítico (Das, 1995) da pandemia da Covid-19, que ocasionou na interrupção das atividades e o fechamento do local como medidas principais para conter a proliferação do vírus, alterando a dinâmica do espaço urbano e atingindo essas trabalhadoras, principalmente as que vivem na informalidade, que custeiam e gerenciam sozinhas seus próprios boxes, fazendo com que adotassem estratégias de sobrevivência, como o recebimento de cestas básicas e auxílios governamentais, inserção em programas assistencialistas, e principalmente, entregas de refeições por delivery e/ou aplicativos virtuais, que geraram um estranhamento com o mundo digital e fizeram com que fossem fortemente vulnerabilizadas diante do abandono estatal, da precariedade do trabalho, do racismo estrutural e da desigualdade de gênero em uma feira livre na região amazônica.