O povo Karão-Jaguaribaras é um dos 17 povos indígenas do Estado do Ceará, no Nordeste do Brasil. Considerando o fato de só recentemente terem começado a reivindicar sua história, identidade e território como povo indígena, para anguns pesquisadores, este é um caso típico de etnogênse, já que mesmo algumas das suas lideranças afirmam que durante muito tempo estiveram silenciados em função dos massacres e agora ressurgem a fim de exigir o que é seu por direito. Desde que comecei ir à aldeia do povo Karão-Jaguaribaras do Kalembre Feijão, na área de litígio entre os municípios de Canindé e Aratuba, alguns aspectos da sua vida me chamaram a atenção. Meu interesse pela cultura desse povo se concentra na sua vida ritual e principalmente nas suas práticas alimentares, seja na vida cotidiana ou nos tempos de festa. Neste trabalho trago para a reflexão suas festividades, com ênfase especial sobre a Festa dos Pingorós, que corresponde à Festa da Colheita entre esse povo. Minha intenção é apresentar os aspectos gerais desta festa, demonstrando como esse momento de elevada importância para os Karão-Jaguaribaras funciona como tempo propício para a apresentação pública da produção de alimentos, a ritualização do consumo e a redistribuição alimentar entre membros do povo e visitas que acorrem ao seu território para festejar junto com eles. O trabalho é resultado de uma sequência de idas à aldeia, coleta de material etnográfico e observação sistemática das suas práticas de produção de alimentos e consumo ritualizado. Como veremos, se a identidade deste povo ainda está em construção, também suas práticas alimentares buscam se afirmar através do convívio entre o que é produzido na aldeia e o que é adquirido junto às outras aldeias e às cidades mais próximas. O fluxo dos alimentos, portanto, revela o trânsito de pessoas, coisas e sentidos.