Ponencia

Buritis e burocracia: desigualdade na distribuição de acesso a direitos pelo Estado brasileiro e os Ingarikó

Parte del Simposio:

SP.66: Povos indígenas e comunidades tradicionais: desafios da violência em conflitos territoriais e socioambientais no século XXI

Ponentes

Paloma Monteiro

INCT-InEAC/UFF

Este trabalho pretende descrever e discutir algumas das estratégias de organização e articulação política que observei junto aos Ingarikó referentes a demandas de distribuição de acesso a direitos pelo Estado brasileiro, expressas na realização de suas assembleias anuais. Os Ingarikó são os Kapon do Alto Cotingo, rio que nasce no topo do Monte Roraima e traceja o território por eles ocupado na região que hoje conhecemos como sendo a tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e República Cooperativista da Guiana. No Brasil, habitam a região do extremo norte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), com uma população estimada em torno de 1.728 pessoas. Proponho uma reflexão a partir da trajetória dos etnônimos Ingarikó e Kapon para demonstrar como o povo Kapon se organiza enquanto Ingarikó, denominação atribuída por povos vizinhos aos autodesignados Kapon do Alto Cotingo e registrada desde os primeiros momentos da colonização. Discuto esse movimento como uma expressão de um domínio altamente especializado para lidar com as variadas práticas e representações do Estado brasileiro, no decorrer dos processos de reconhecimento de identidades e territórios em terras tradicionalmente ocupadas. Desta observação, é possível identificar e explicitar que as categorias “cidadania” e “identidade”, articuladas pelo Estado brasileiro em suas diferentes práticas, representações, efeitos e pessoas, são acionadas em um contexto tutelar e conforme um padrão institucionalizado de tratamento jurídico desigual no plano da cidadania, sendo esta desigualdade estruturante um elemento fundamental da totalidade brasileira. A naturalização dessa desigualdade de tratamento pelo próprio Estado brasileiro diante dos diversos segmentos sociais que compõem seu território, aliada a políticas extrativistas autointituladas “desenvolvimentistas”, desde atividades como mineração, megaempreendimentos agrários e atividades ilegais de manejo ambiental confere características singulares em relação ao reconhecimento e exercício da cidadania em contextos étnicos. Da etnografia realizada junto aos Ingarikó, de suas estratégias de resistência e organização política para lidar com o “branco”, e pensando o contexto de sobreposição da Terra Indígena Raposa Serra do Sol com uma área de proteção ambiental (Parque Nacional Monte Roraima) criada às escuras por uma comissão interministerial do governo federal, é possível descrever e explicitar essas práticas e representações que orientam a distribuição desigual de direitos pelo Estado brasileiro.