No contexto brasileiro, a suspensão ou destituição do poder familiar de determinadas famílias tem ganhado evidência nos espaços de promoção e defesa dos direitos de mulheres, crianças e adolescentes. Tal fenômeno passou a ser considerado um “problema social” (Alves, 2020) disputado nas arenas públicas a partir da publicização do aumento de casos de gestação e nascimento de bebês de mulheres identificadas como “usuárias de álcool e outras drogas”, com trajetória de vida nas ruas, em sofrimento mental, em situação de pobreza extrema, e/ou de populações quilombolas ou indígenas. Ao olhar para pesquisas realizadas em diferentes regiões do Brasil – tais como Mato Grosso do Sul, Bahia, Santa Catarina, Minas Gerais, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro – observa-se que na maioria das situações o motivo que embasa as decisões dos processos de medida de proteção, destituição do poder familiar e posteriormente de adoção é a “negligência”. O termo é foco de constantes críticas e questionamentos na medida em que está relacionado à pobreza, ausência de moradia, acesso à educação, saneamento e alimentação adequada das famílias de origem, em contradição ao que diz o artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), de que “a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar”, e desconsiderando que a destituição do poder familiar deve ser uma medida de caráter excepcional (apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família de origem e/ou extensa). Assim, faz-se importante investigar como determinadas noções de maternidade e infância tornam-se objeto de governo e regulação. Vale destacar que, em parte, o estudo ocorreu durante um cenário brasileiro de governo de extrema-direita em que disputas e tensões entre forças progressistas e reacionárias em relação à defesa da família “tradicional”, aos direitos sexuais e reprodutivos e direitos de crianças e adolescentes ocuparam um lugar político central. As discussões que perpassam noções de família(s), infância(s) e gênero(s) são centrais nesta proposta e o seu debate no âmbito do simpósio temático 27 visa contribuir para uma compreensão mais ampla da relação entre a retórica dos direitos da criança (sobretudo em relação à primeira infância), o exercício da maternidade em condições de vulnerabilidade, e o modo como tais representações são defendidas ou ameaçadas. Vale destacar que a proposta deste trabalho é produto de discussões empreendidas na pesquisa de doutorado em Ciências Sociais em curso. Por fim, a metodologia a ser utilizada baseia-se no acompanhamento etnográfico de documentos (envolvendo informações adquiridas pela Lei de Acesso à Informação, normativas e relatórios) produzidas por diversos profissionais da saúde e serviço social, coletivos e instâncias jurídico-estatais.