Os sentidos do trabalho ganham contornos diferentes ao longo do tempo a partir do contexto socioeconômico, político, mudanças tecnológicas, bem como os marcos regulatórios estabelecidos pelo Estado. Atualmente predomina uma lógica no mundo do trabalho brasileiro alinhada aos ideais neoliberais, que geram novas racionalidades, pautadas nas noções de independência, autonomia e flexibilidade. Estas são amplamente propagadas no espaço do cotidiano social e sinalizam para um reconhecimento da informalidade do mercado de trabalho do país enquanto estrutural, onde a formalização deixa de ser o referente simbólico do bom trabalho. Em vista deste cenário, o presente trabalho apresenta um recorte de uma pesquisa, desenvolvida entre 2020 e 2022, que buscou compreender os sentidos atribuídos ao trabalho informal para mulheres no sul do Rio Grande do Sul. A pesquisa foi realizada no contexto da pandemia da Covid-19, declarada em 2020 pela OMS, momento em que as pessoas inseridas na informalidade sofreram consequências significativas em virtude do afastamento de suas ocupações, assim como por perdas de renda expressivas. Com o afrouxamento das restrições sanitárias, os trabalhos informais foram os primeiros a demonstrar sinais de recuperação, as quedas durante o período da pandemia se converteram em um crescimento vertiginoso das taxas da informalidade. Este período também foi marcado pelo aumento de ocupações mediadas por plataformas. O caminho metodológico do estudo envolveu a realização de entrevistas narrativas com trabalhadoras, todas em formato virtual em virtude do contexto pandêmico. Para este trabalho foram selecionadas duas entrevistas com interlocutoras microtrabalhadoras de site, de 29 e 30 anos, brancas, solteiras, sem filhos e com pós-graduação completa. Para a análise foi levada em conta que os sentidos atribuídos ao trabalho informal também são influenciados pelas disposições incorporadas pelas trabalhadoras ao longo de suas vidas. As disposições formam significativas referências nas maneiras de pensar, crer, agir e sentir de um ator social, motivo pelo qual buscou-se identificar como as disposições incorporadas em experiências pretéritas, oriundas sobretudo do contexto escolar, familiar e laboral, contribuíram para a construção dos sentidos do trabalho informal. As duas interlocutoras fazem parte do grupo com escolaridade alta que tem ingressado cada vez mais na informalidade no país desde 2015. Ambas tiveram acesso ao ensino superior e acumularam disposições tecnológicas necessárias para que desenvolvessem a atividade como microtrabalhadoras de site. As interlocutoras relataram que os rendimentos obtidos com o trabalho informal servem para arcar com gastos de subsistência (como aluguel, luz e água) e suas projeções envolvem continuar trabalhando como moderadoras até que consigam se inserir no mercado de trabalho e atuar em suas áreas de formação. Como aspecto negativo citam o local de trabalho ser a própria residência e não acessar direitos trabalhistas, como férias. O contexto de crise sanitária não foi um fator interveniente decisivo nos sentidos atribuídos ao trabalho informal, porém foi possível identificar que as trabalhadoras apresentaram, apesar de atribuírem ao trabalho informal o status de certa permanência em suas trajetórias e projeções, uma visão crítica à informalidade e uma valorização de trabalhos formais, se contrapondo aos discursos políticos atuais acerca da informalidade.