Ponencia

A jurema sagrada e os sertões: o modo de comer, amar e viver dos povos ameríndios no nordeste brasileiro

Parte del Simposio:

SP.18: Um olhar socioantropológico sobre os modos de comer e viver na América Latina e no Caribe

Ponentes

Maria Rita de Cassia Oliveira

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

As religiões de matriz afro-ameríndias como Jurema Sagrada, tem na alimentação, sejam sacralizadas (oferendas), ou profanas chamadas pelos indígenas de curupapo, uma centralidade importante para as suas práticas religiosas. Os alimentos, sejam grão, raízes, flores, folhas e proteínas animais fazem parte das práticas ritualísticas da Jurema Sagrada, tanto como elementos de oferendas aos encantados e entidades, como momentos de celebração entre os adeptos, seja no compartilhamento com visitantes nos momentos do encerramento das funções ritualísticas abertas ao público. No entanto, o campo da segurança alimentar ainda tem um vácuo antropológico como esses povos compreendem do ato de alimentar a si e suas comunidades, que significados compõem a sua cosmovisão do mundo, quais os valores religiosos, mitológicos e territórios culturais são estruturantes das formas de alimentação para organização social, de pertencimento étnico/identitário, da memória e da continuidade das tradições ritualísticas. Nos povos tradicionais de terreiros de Jurema sagrada, há estreita miscigenação entre os saberes dos indígenas através do compartilhamento de conhecimentos ritualísticos onde as oferendas e refeições são compostos atos de danças e preces, o alimento está intrinsecamente, relacionado a alegria, canto é reza, dança é reza, comer é um ato religioso, ritualístico das aldeias. Entre os alimentos ofertados há uma relação explícita entre alimentos sagrados e os profanos, há os rituais internos das oferendas, onde os alimentos são sagrados e há o momento refeição coletiva, que é o ato sagrado da partilha com os da casa e os visitantes. Nessa ocasião o ato de comer, dançar e entoar cânticos, faz parte dos ritos que estruturam a cosmovisão da vida, no cuidado com segurança alimentar para coexistência das comunidades seja religiosa, seja a do entorno do terreiro. Sendo ato de alimentar uma simbologia para além do simples prazer em comer, mas comer para vida, para existir como ser e como coletividade. Os pratos ritualísticos sagrados e profanos são preparados com alimentos convencionais e não convencionais, esses últimos relatados pelas tradições como “herança” das tradições indígenas, sendo que ambas as alimentações, (convencionais/inconvencionais), são compreendidas como sagradas. Percebemos assim, que o status de sagrado e profano é tênue, convencional ou não, o que torna determinado alimento sagrado nos terreiros de jurema é a relação direta com as entidades, ritos e finalidades. Para Jurema Sagrada o alimento é sagrado para religiosidade, é sagrado para o corpo, pois para estas religiões, quando comungo com o sagrado, comungo da sua divindade e de seus poderes de cura e de vida. Essa relação está estabelecida com todos as religiosidades ameríndias do nordeste brasileiro, sendo essa pesquisa referente a três maiores estados detentores da tradição da jurema sagrada, religião que cultua a natureza e a ancestralidade indígena do brasil.