A historiadora indígena Marcia Mura nos conta em sua belíssima e potente tese de doutorado intitulada Tecendo Tradições Indígenas que “Costurar com as mãos é uma tradução possível para a palavra escrita que não existia antes do contato com os não indígenas, na língua wayoro ou ngwayoro do Povo Wajuru” (MURA, 2016, p. 15). Segundo Mura, os sentidos das palavras indígenas podem ser referencias conceituais nos trabalhos acadêmicos. Tomando a historiadora como base teórica e metodológica, e outras intelectuais indígenas vamos “costurar com as mãos” conceitos e epistemes indígenas que nos permitem compreender os sentidos da História para além Monohistória ocidental. Narrar a História, particularmente para os povos indígenas, não é tão somente um exercício epistemológico, é sobretudo a possibilidade de lidar com a ferida da colonialidade, é recontar suas histórias e (re)encantar seus mundos e cosmologias em conexão com os seus ancestrais e em uma perspectiva de cura.
Em minha própria experiência de escrita da tese (SANTOS, 2021), somente ao ler escritores indígenas, que trazem dimensões amplas fora das lógicas da colonialidade, consegui compreender com maior clareza os significados e experiências indígenas e seus mundos. Os hibridismos, as mestiçagens e as circularidades culturais, todos conceitos eurocentrados que se reordenam para explicar as realidades históricas, por uma lógica da colonialidade, não eram suficientes nem foram capazes de dar conta das complexidades, contradições, diversidades e amplitudes das experiências históricas indígenas a partir da invasão e nas interações e contatos interétnicos que foram desenvolvidos a partir dai.
A comunicação que ora propomos, tem como fio condutor de análise as perspectivas históricas tecidas pelas próprias indígenas em relação ao fazer historiográfico. Tomamos essas narrativas, no âmbito acadêmico, mas também pensando em suas oralidades, que são base para suas escritas, como produtoras de conhecimento, repletas de sentidos da realidade imanente e transcendente e que nos permitem (re)pensar o próprio fazer histórico e historiográfico. Para isso dialogaremos com a escrita de duas intelectuais indígenas brasileiras as historiadoras Marcia Mura e Aline Rochedo Pachamama.