Neste trabalho serão feitas análises sobre as causas da legitimação das violências de estado engendradas no Brasil contra determinadas populações e sobre a forma como o poder é capaz de internalizar nos sujeitos as suas normas. Para tanto, considera-se neste trabalho como violências de estado questões latentes na realidade brasileira, como o encarceramento em massa, a seletividade penal, o genocídio da juventude negra e periférica, o silenciamento do enlutamento por suas perdas e a descartabilidade dos corpos considerados “abjetos” em uma sociedade neoliberal, a qual é social e racialmente estratificada.
Será dada especial atenção (de forma crítica) à intercessão entre características fundamentais do mundo neoliberal, como a latência da chamada “questão social” – resumidamente a gestão dos miseráveis pelos estados nacionais – alavancada pelo desvanecimento das políticas previdenciárias, consequência do saque dos fundos públicos nacionais e da ascensão dos grandes fundos de pensão privada, com o impacto destes atos de poder nas subjetividades, sobretudo de pessoas das camadas mais expostas à precarização e violências no Brasil.
Para alcançar os objetivos deste trabalho realizamos, também , um levantamento histórico e estrutural da formação da sociedade brasileira, aliado a uma análise teórica aprofundada sobre a formação do sujeito/subjetivação de indivíduos e normalização de corpos nesta sociedade forjada na violência.
Esta pesquisa discute uma verdade inconveniente: Direitos Humanos básicos, como a vida e a dignidade, não só são violados sistematicamente pelo Estado brasileiro, como também já não são um consenso entre o conjunto da população. As raízes desse fenômeno estão na ascensão – dentre outras elementos – de um populismo penal que, apoiado com o jornalismo “pinga-sangue”, contribuiu para a passagem do posto de inimigo número um do Estado brasileiro do “subversivo” para o “criminoso urbano” comum, especialmente aquele ligado às quadrilhas de tráfico de drogas, roubo e sequestro.
Em uma análise mais profunda, a normalização da morte dessas pessoas passa pela proibição moral ao luto dos corpos considerados abjetos na sociedade neoliberal. Estes corpos abjetos – herdeiros da maldição do Negro no período colonial – são aqueles que não seguem as leis e normas de sociabilidade burguesa, desafiam o controle social operado pelo Estado e por isso suas mortes estão autorizadas por anuência ou indistinção da população em geral. São corpos legados a violência, à interdição do luto e ao esquecimento. Condenados desde sempre a uma “vida não vida”, ou uma morte em vida.
Autores como Judith Butler (2009, 2015), Freud (1917), Mbembe (2021), Clóvis Moura (1980), Vladmir Safatle (2016), entre outros, embasam teoricamente esta pesquisa.