A experiência da espera numa instituição de socioeducação feminina no estado do Rio de Janeiro: práticas, conflitos e moralidades
Lílian da Silva Rocha Martins
Glaucia Maria Pontes Mouzinho
No ano de 1990 os direitos da criança e do adolescente no Brasil passaram a ser regidos pelos novos dispositivos legais que se inserem no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nele também se incluiu o tratamento dirigido àqueles que entre 12 e 18 anos estejam em conflito com a lei, inserindo-os em um sistema responsável por aplicar as medidas socioeducativas dentro de três tipos de regimes: aberto, semiaberto e fechado, guardando os direitos que cabem em cada um deles. A partir de um circuito que frequentemente inclui flagrantes policiais, tem início um processo que resulta finalmente na decisão de um juiz de direito. O desenrolar das decisões e o acompanhamento da aplicação das medidas determinadas em juízo envolve conselhos tutelares, defensores públicos, juízes, profissionais técnicos (com formações diversas), agentes de segurança, diretores de escolas públicas. De acordo com o ECA, as medidas socioeducativas não comportam prazo determinado, mas o juiz responsável pelas decisões deverá reavaliá-las a cada seis meses com base nos relatórios encaminhados pelos técnicos e por pareceres de defensores públicos a partir de visitas realizadas nos locais de internação.
Enquanto novas decisões judiciais não são proferidas pelos juízes, cabe aos responsáveis pelas unidades socioeducativas fazer valer o cumprimento das medidas estabelecidas, ao mesmo tempo que garantem no interior das unidades, o respeito aos direitos estipulados no ECA. Propomos apresentar e discutir formas de administração de conflitos em situações de internação e suas consequências a partir da observação etnográfica da única unidade de internação feminina do estado do Rio de Janeiro, objeto recente de reformulação em decorrência de denúncias públicas por parte da equipe masculina que a dirigia anteriormente.
Durante a pesquisa de campo, acompanhamos um grupo de adolescentes em suas experiências de espera por uma sentença de medida socioeducativa mais branda ou pela liberdade. Por meio de análise dos conflitos entre as próprias adolescentes e entre as adolescentes e outros atores que conduzem a medida de internação, identificamos o campo da socioeducação feminina como um espaço marcado por invisibilidades, tensões e moralidades nas políticas públicas, bem como diversas desigualdades e desvantagens em relação ao público masculino. Observamos que estas questões estão relacionadas ao fenômeno da criminalização juvenil feminina no Brasil, argumento que as acusações estão sempre combinadas de diferentes formas às questões de raça e de classe.