Ponencia

A escrita dançada de um corpo afro cubano no Brasil: propostas práticas de criação e cuidado na companhia NUDAFRO.

Parte del Simposio:

SP.65: Corporalidades, ontologías relacionales y metodologías colaborativas

Ponentes

Mirian Bárbara Miralles Torres

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Em Cuba, com quatro anos aproximadamente dancei ao som do tambor com giros e movimentos precisos. Conta minha mãe que, ao dançar na sala da casa da minha avó materna, os vizinhos começaram a assistir admirados. E a plateia foi crescendo na medida em que minha dança ganhou espaço. Pois todos se perguntavam: como uma criança tão pequena poderia dançar daquele jeito, será que está incorporada? Considero que essa primeira dança se apresenta como um pequeno rascunho de uma escrita que levaria anos para se consolidar no meu corpo e através dele.
Hoje, percebo a experiência contida nesta história como uma escrita dançada. Porque é uma dança que está ligada à inscrição e expressão de si. Isto é, levar o corpo a um nível de consciência na qual consegue abstrair a realidade e, através do dançar, constituir-se corpo. Esses traços delineados em forma de movimento dançado seriam minhas primeiras escrituras. Palavras estas que que performavam minhas raízes africanas e mostravam pistas de uma ancestralidade movida pela própria dança.
Esta dança pode ser vista como a confirmação de uma tradição que não foi ensinada e que perpassa o espaço verbal ou da reprodução. É a expressão da memória familiar que, através de suas práticas espirituais e cotidianas, possibilitou identificar naqueles movimentos uma força ancestral, de renovação e se reconhecer nela. Nesse dançar, o meu corpo de menina ia escrevendo no espaço ao mesmo tempo que ia se auto inscrevendo. Ia deixando as rasuras de uma experiencia espiritual que demarcou, no meu corpo, o início da minha trajetória no campo da dança.
Corpo este que, ao emigrar para o Brasil, conseguiu rever seu repertório em dança e se perceber no cenário artístico e acadêmico. A relação entre as duas culturas junto ao aporte teórico, foram estímulo para pensar uma dança que ofereça ferramentas e caminhos para processos de criação de obras coreográficas partindo de reflexões e abordagens afro referenciadas. Uma dança que busca potencializar as características individuais do artista e proporcionar uma conexão com sua ancestralidade e raízes culturais, utilizando de elementos do cotidiano e de suas histórias para promover novas perspectivas sobre a criação do movimento corporal.
Para isto elaborei propostas de pesquisa de movimento na companhia de dança NUDAFRO, onde proponho uma escrita corpórea e coletiva. Por tanto defendo a escrita dançada como uma forma de integrar as práticas de dança à pesquisa acadêmica para valorizar a experiência familiar, mostrando como o cotidiano, o artístico e o ritualístico podem se fundir nos nossos corpos e produzir novas formas de olharmos para os possíveis formatos de escrita do corpo em dança como linguagem performativa.