Na educação brasileira (formal e não formal), a Astronomia vem alcançando posição de destaque, fato impulsionado pela sua posição nas diretrizes da Nova Base Comum Curricular (BRASIL, 2018), dialogando com diversas áreas do conhecimento através do eixo Terra e Universo.
No entanto, ainda que contextualizados historicamente – o conteúdo apresentado, além de frequentemente focar apenas na Astronomia Ocidental, raramente a apresenta como uma produção culturalmente centrada, delegando às Astronomias dos povos não ocidentalizados à invisibilidade e ao exotismo. Quando finalmente reconhecidas, são chamadas de “etno” ciências, valorização explícita da sua culturalidade, em uma irônica (e equivocada) manifestação de universalidade da Astronomia Ocidental (ASSIS, 2021). Eis a revisitação da Aletheia grega.
Em um país de origem multicultural como o Brasil, cuja população abrange não apenas uma multiplicidade de povos indígenas mas uma composição majoritariamente negra (IBGE, 2019), tal posicionamento tem papel fundamental na construção das imagens de controle (COLLINS; BILGE, 2020) em relação às ideias de Ciência e cientista, de quem ocupa posições de poder e, objetivamente, na determinação coletiva do papel dos sujeitos subalternizados em relação a essas categorias.
A democratização da astronomia (e toda produção de conhecimento), a construção de um letramento científico e a promoção da cidadania passa, portanto, pela sua apresentação à população como produção diversa e culturalmente centrada – sobretudo quando exposta à corpos que não são refletidos nos espaços de ciência – oportunizando a disputa de narrativas necessária ao enaltecimento de corpos e epistemes fora do Ocidente.
Neste trabalho, apresento um relato de experiência de ações do planetário do Museu Ciência e Vida que dialogam com diferentes áreas do conhecimento através da Astronomia de culturas distintas. As atividades, que possuem modelos diversos, entre sessões de cúpula, teatro e jogos lúdicos, buscam apresentar a astronomia ao grande público através de um olhar culturalmente centrado para a mesma, minimizando-se a hierarquização dos conhecimentos e focando-se na sua promoção por outras lógicas de existência.
Localizado na região da Baixada Fluminense, onde abriga-se um número considerável de quilombos, além dos assentamentos de candomblé mais antigos do estado ainda em atuação, o Museu Ciência e Vida está situado no âmago de uma população negra, pobre e periférica, carente de outros equipamentos culturais. Os dados de perfil de público de visitação dos museus de ciência na cidade do Rio de Janeiro, no entanto, mostram que este não é o perfil de visitação dessa tipologia de espaço, ainda que o espaço museal possa estar inserido em contextos socioculturais semelhantes ao da Baixada Fluminense.
As atividades apresentadas mostram, no entanto, que a Astronomia Cultural não apenas é uma perspectiva interessante de se apresentar a astronomia ao público mas, para além, pode ser uma grande motivação para trazermos de fato, o público periférico para dentro do museu.