Esta mesa redonda é uma proposta da Associação Brasileira de Antropologia que, no período 2023-2024, está desenvolvendo uma série de atividades relacionadas à temática sobre as teorias locais, filosofias e cosmovisões de povos na interpretação dos fenômenos socioambientais e na proposição de políticas públicas. Como sabemos, as interpretações sobre as transformações socioambientais, e mais especificamente as mudanças climáticas, variam significativamente entre diferentes povos, culturas, filosofias e cosmovisões. Estudos antropológicos sobre povos originários da América Latina e Caribe, dentre outros, têm historicamente evidenciado as complexas relações entre natureza e cultura operacionalizadas por estes povos, problematizando o corte epistemológico operado pela ciência ocidental. De acordo com estes estudos, a complexa interdependência entre humanos e não humanos desloca-se da visão materialista da exploração dos recursos naturais e introduz influências e determinações de seres imateriais que, não apenas concorrem para o “equilíbrio”, mas, também, sinalizam riscos e desastres.
Por outro lado, observa-se ainda que as práticas sociais e econômicas ancoradas nestas diversas cosmovisões, resultam em efeitos concretos sobre o meio ambiente, que se expressam no reconhecimento da importância da conservação da biodiversidade e da relação solidária interespécies, mais recentemente propugnadas por sociedades ocidentais. Deste modo, estão a sugerir que a interpretação centrada nas evidências científicas das atividades humanas causando aquecimento global e desastres ambientais carece de um aprofundamento em direção a formas diversas de ser, viver, interpretar e se reproduzir no mundo.
Esta mesa propõe-se a abordar estas questões, a partir de etnografias realizadas na Amazônia, nos Andes e na Patagônia, considerando, por um lado, a especificidade desses ecossistemas, as interpretações dos povos tradicionais locais em relação com os efeitos e desastres socioambientais já observados. E, por outro, a inter-relação entre mudanças climáticas e a violência das relações sociais e econômicas que as engendram. Desta perspectiva, propõe-se a considerar a importância do (re) conhecimento dos povos tradicionais para a construção de outras relações com o ambiente e a importância de pesquisas voltadas para a construção de uma ciência intercultural, inclusive nas relações que podem (ou não) ser estabelecidas em diálogo com resultados e recomendações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
Espera-se, assim, contribuir para a reflexão sobre políticas públicas que, seja em regulamentações nacionais, seja em acordos internacionais e tecnologias voltadas para os efeitos das mudanças climáticas, considerem formas de proteger os territórios tradicionais, garantir a coexistência de todas as formas de vida e a redução das desigualdades socioambientais já existentes.