A pandemia é um tema complexo que não envolve apenas um patógeno. Existem condições ambientais, discursos e práticas mais ou menos contingentes que o realizam localmente. Situações cotidianas como casa, trabalho, preocupações escolares, transporte público, fornecimento de água, violência estrutural e tantas desigualdades sociais, raciais e de gênero se tornam invisíveis quando a atenção se concentra apenas nas preocupações globais em torno do Sars-Cov-2 e demandas de biossegurança.
Neste sentido, uma pandemia não pode ser universal apesar de sua escala global. Compreender isso é fundamental para construir políticas de saúde pública mais sensíveis às situações sociais, políticas, culturais e regionais da pandemia, a partir do pressuposto de que se uma pandemia não é homogênea, as respostas a ela também não podem ser. Neste caminho, esta mesa trata dos impactos sociais da pandemia de Covid-19 na América Latina e no Caribe, com ênfase nas políticas, práticas e ambientes de cuidado, de recuperação e de restauração às comunidades e pessoas afetadas.
Ela é organizada pelo Grupo de Trabalho A Covid-19 na América Latina e no Caribe da Asociación Latinoamericana de Antropología – ALA e busca reunir reflexões que colocam em relevo as geografias desiguais da pandemia, traduzidas em violências estruturais, injustiças sociais e cargas desproporcionais de risco e vulnerabilidade que atingem diferentes populações. Compreende-se que o conjunto de fenômenos analisados e os resultados já consolidados pelas pesquisas desenvolvidas pelos componentes da mesa evidenciam que pandemias excedem às narrativas lineares de começo, pico e fim.
A Covid-19 foi e é vividas em ciclos de intensidade e temporalidade cujo fim – ou fins – não implica a cessão da circulação do agente patógeno e da redução da contaminação e morte por meio da imunização ou do tratamento. Diferentemente da esperança idealista da “erradicação biológica”, o fim da pandemia tem dependido muito mais de uma contínua negociação política, ética e social de “níveis aceitáveis”, que permitem a “administração de uma vida social normal”. O ponto-chave desta mesa é justamente refletir sobre às disparidades e injustiças sociais implicados nestas zonas nebulosas, complexas e incertas que é frequentemente descrita como “pós-pandemia” sobretudo quando esse “pós” traz consigo um rastro desigual de impactos sociais que se avoluma desde o seu início da crise sanitária e antes mesmo dela. Os trabalhos apresentados na mesa redonda conectam diversos domínios de investigação antropológica, como antropologia médica, saúde pública, gênero, feminismo, etnicidade, racismo, globalização, migração, incluindo também os efeitos prolongados da doença, como as sequelas e a Covid Longa.
Esta mesa, assim, não apenas proporciona um sumário das pesquisas antropológicas relacionadas à pandemia na América Latina e no Caribe, mas também estimula uma reflexão crítica sobre como transcender uma visão centrada no agente viral e incorporar uma análise que inclua as geografias de desigualdade e as injustiças sociais, as novas ecologias em transformação, os radicalismos políticos e os efeitos do neoliberalismo crescente na agenda da saúde. Mais do que um balanço investigativo, as discussões da mesa redonda são orientadas para oferecer uma visão decolonial e genuinamente latino-americana sobre a pandemia, apoiando-se em casos etnográficos que nos ajudam a subsidiar respostas críticas e ações engajadas que estejam em consonância com as diversas realidades latino-americanas, marcadas por contrastes sociais e econômicos profundamente arraigados que foram intensificados nesses últimos anos.